segunda-feira, 3 de agosto de 2009

87 - Da vaidade dos artistas [Gaia Ciência - Friedrich Nietzsche]

Acredito que os artistas comumente ignoram onde está o melhor do seu talento uma vez que são demasiado vaidosos e, visando temas que lhes parecem mais altivos, desdenham as modestas plantas, tão novas, tão raras e tão belas, que crescem perfeitamente no seu solo. Estimam superficialmente o melhor de seu próprio jardim, o melhor de sua própria vinha; o seu amor não caminha a par com aus perspicácia. Eis um músico que ultrapassa todos os demais na arte de encontrar tonalidades para exprimir os sofrimentos da alma, com as suas opressões e martírios, para dar voz à desolação muda. Ninguém a ele se iguala quando se trata de dar cor a um fim de Outono, a felicidade indizivelmente comovedora de um último, absoluto e inteiramente efêmero prazer; sobe o tom que traduzirá esses minutos secretos e inquietantes da alma em que a causa e o efeito se parecem ter separado, em que cada instante pode fazer nascer qualquer coisa "do nada"; ninguém a ele se iguala para chegar ao fundo da felicidade humana, nas suas taças já esvaziadas, de qualquer forma, ali, onde as gotas mais ácidas, as mais amargas, acabaram por se confundir com as mais doces; conheces os recuos da alma cansada; tem o olhar receoso da dor escondida, da compreensão que não consola, dos adeuses sem confissões; é o Orfeu da miséria íntima, no seu domínio ultrapassa todos os demais, e acrescentou à arte muita coisa que até a ele tinha parecido inexprimível e mesmo indigna dessa arte, muitíssima coisa, sobretudo que a palavra parecia só poder amedontrar e não apreender, muitos átomos da alma humana, muitos elementos microscópicos; é o senhor do infinitamente pequeno. Mas não quer sê-lo! Prefere os grandes murais e as audácias do frescor! Não percebe que o seu espírito tem outros gostos, outras inclinações, que preferiria esconder-se em paz nos recantos das casas em ruínas; e ali, escondido, escondido de si próprio, ele compõe as suas verdadeiras obras-primas, que são sempre muito curtas, muitas vezes um simples compasso; somente ali ele se revela superior, se torna grande e perfeito. Mas ele não o sabe! É excessivamente vaidoso para o saber.

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